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Alonso Alvarez é um conhecido livreiro de São Paulo. Não há escritor paulista que não tenha escutado este nome ou que, em algum momento de sua carreira, não tenha entrado em contato com ele. Fundador da antiga Livraria e Editora Artepaubrasil, fez parte da história da literatura dos anos 1980 e 1990. E continua fazendo! Só que agora não só como editor, mas também como autor. Na verdade autor sempre foi. É que, tímido, costumava deixar suas obras na gaveta. Com sua Ficções, vem publicando muita coisa boa, inclusive este seu novo título, “As horas claras”, seu segundo livro infanto-juvenil. O primeiro foi “O encanto da lua nova”, que ganhou o selo de altamente recomendável, da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil.
“As horas claras” é um livro sobre mistério e amizade. É a história de Turista e seus amigos, que, numa imprevista manhã de suas vidas, simplesmente perdem suas sombras. Como assim, perdem suas sombras? Bom, o leitor perceberá que isso não é nada de mais quando os pré-adolescentes em questão moram em um prédio em que o décimo-primeiro andar não existe. E mais: em um local em que brincam de esconde-esconde ninguém mais ninguém menos do que Platão, Aristóteles e Isaac Newton. Sim, a trama é o forte do romance.
Esse décimo-primeiro andar de vez em quando aparece, é bom que se ressalte. E é lá, neste local inexistente, na biblioteca que abriga todos os livros já publicados, que mora um velhinho cego, um leitor de infinitas obras, disposto a apresentar à única menina da turma os grandes filósofos de outros tempos. E é ali, no alto do prédio, em meio a questionamentos profundos, que muito adulto nunca chegará a formular em sua vida, que Clara supera o seu medo de altura. Um temor que, percebemos, nada mais é do que uma resposta às paranoias de seus pais.
Um autor inexperiente correria o risco de cair no didatismo ao tentar apresentar ao leitor jovem esses pensadores, mas Alonso o faz com tal maestria, que teorias intrincadas são apresentadas com uma grande leveza. E com humor. O livro é engraçado, a turma, em suas aventuras juvenis, nos revela a dificuldade da transição, da perda da inocência. E isso não significa, para o autor, nada parecido com submissão ou com pureza, mas com aprendizagem. E a aprendizagem tem na curiosidade seu maior aliado. Alvarez mostra aos seus leitores que não é preciso estar conectado à Internet o tempo todo, que não é necessário empunhar durante uma tarde inteira um console de PlayStation para se entreter, que a amizade e a mente aberta para a fantasia podem ser os principais ingredientes para a diversão.
Como fazer com que o leitor jovem goste de Platão ou de Newton? Simples: não o subestimando. A realidade não tem meio-termo: é o que é, e é desta maneira que deve ser apresentada. Alonso sabe disso. E é evidente que Platão interessa a qualquer leitor. O mote do livro, por exemplo, foi tirado de uma ideia do próprio filósofo grego. Alvarez aproveita também para nos mostrar um pouco dos autores que mais admira e, claro, não poderia estar ausente o mestre Jorge Luís Borges.
Ao empreender a busca por suas sombras, este grupo de colegas e um vira-latas acabam descobrindo que a curiosidade, o mistério, a criatividade são as engrenagens que movimentam o homem, que vivem a época das amizades sinceras, do encontro com o primeiro amor, do gosto pela aventura e do perdão fácil. Alonso nos mostra que os dramas humanos são uma invenção da maturidade e é por isso que essas Horas Claras podem fazer bem a indivíduos de qualquer idade.
Essa habilidade de entreter o leitor com um texto límpido, com diálogos que traduzem com eficácia o cotidiano dos jovens deste nosso século, essa capacidade de encadear situações inusitadas, fazem deste livro uma obra indispensável para a nossa literatura. Precisamos sim, transformar o Brasil em um país que valoriza a literatura, mas que não submetamos essa nova geração ao compromisso com histórias rasas, sem mérito. São romances como este “As horas claras” que nos deixam esperançosos com a nova safra de leitores que está surgindo neste momento mesmo em que escrevo. Só é preciso fazer com que este livro chegue a eles.
> Veja a matéria no Jornal OPÇÃO